Não durmo.
Esta
noite está mais bonita por aqui. Longe da cidade a gente avista um céu melhor.
Olho algumas vezes para a barraca, mas ela não me é nada convidativa agora.
Prefiro o céu e esse barulhinho de grilos que não se calam. E esse papel que
começa a receber minhas ideias.
Às
vezes venho aqui, tento passar pelo menos uma noite de sexta-feira por mês
assim (nunca consegui ser fiel a isso, mas...) eu e minhas coisas, no meio de
uma paisagem sertaneja que me desacelera. Trago papel e caneta, cigarro de
palha, café, meu telescópio miúdo, barraca, um colchãozinho, lanterna, um trem
de comer e binóculos pra ver o escuro
mais de perto. No lugar do cobertor, a cachaça (pra esquentar o peito quando
agoniza em devaneios). O celular serve pra fazer tocar os mantras que às vezes
ouço aqui. O facão às vezes uso, quando animo uma fogueira e não trago o
lampião que ganhei do sogro. Tem a gaita, presente também, que tento tocar
quando a paz demora a vir. Mas quando ela chega, eu não queria estar em outro
lugar! Quando ela chega eu gosto tanto de mim que chego a me perdoar por todos
os deslizes de até hoje, de verdade!
Esta
noite ela está aqui comigo. E tão logo chegou, corri até o carro pra buscar o
de escrever: Papel e caneta. Paz e solidão. Sossego e embriaguez ligeira. Da
cachaça, do céu, do mato, do amor.
Consegui
enxergar Betelgeuse bonita hoje, lá no ombro direito de Órion! Por anos e anos
eu dizia ser minha constelação preferida, porque era a única que eu enxergava
com clareza! Quase vinte anos atrás eu vi o Caçador por completo. Guiado por
seu cinturão, Alnitak, Alnilam e Mintaka, eu senti uma sensação gostosa de
plenitude quando Órion se desenhou por completo. Lembro como se fosse hoje!
Hoje eu
me interesso mais pelas pequenas coisas em si do que pelo conjunto que elas
formam. Hoje me apaixonei mais pela estrela “pequena gigante vermelha”,
Betelgeuse! E me arrepiei quando pensei que milhões de conjuntos de coisas
formam aquela luz que brilhou bonita no meu telescópio...
Betelgeuse!
A estrela que está para explodir numa supernova a qualquer momento. Pode ser
essa noite, pode ser daqui cem mil anos ou muito mais (em medidas astronômicas,
este tempo é só um sopro).
Morrer!
Eis o
destino das estrelas!
Morrer
pra fazer surgir mais vida. Morrer pra alimentar mais vida. Morrer pra
retribuir. E continuar... apesar de incerto, o destino é tão certo! A gente
morre e vira adubo pras árvores que nos forneceram o ar vital durante toda
nossa existência. Que retribuição mágica, que sabedoria da natureza essa de ser
grato mesmo sem se ser. O acerto é inevitável no final das contas.
Fez
barulho no buritizeiro que fica aqui pertinho, não deu pra ver, mas pensei um
gavião carijó (tenho aprendido um pouquinho dos passarinhos, tanto querer voar
que nem eles).
Aconteceu que um dia, numa pousadinha, eu estava deitado na rede e
pousou um joão-bobo. Fui saber depois que esse pássaro fica paralisado quando
se assusta, por isso o nome. Naquele dia ele pousou sobre o suporte do telhado,
por cima da rede onde eu estava e ficou ali parado, bem perto de mim. E houve
uma conexão! Ele estava paralisado de medo, eu senti. E consegui enxergar
aquela situação a partir da perspectiva dele! Como ele me enxergava, o que
sentia sobre mim, o que aquele encontro significava pra ele. Com o pensamento,
pedi para se acalmar. Disse que estava tudo bem, que a gente morava no mesmo
mundo e que eu não faria mal a ele. Agradeci por aquele encontro e disse que um
dia viveríamos intrinsecamente juntos, como iguais, em harmonia... e todo medo
do que a gente não conhece seria extinto, pois, de verdade, não há o que temer.
Por fim, pedi para que voasse, voasse bonito, voasse alto, tão alto quanto
quisesse e cantasse bonito, celebrando a mágica de ser o que se é. Ele continuou
me observando por mais uns segundos, cantou um cantinho fino e pouco, balançou
a cabeça e voou.
Tenho
tentado! Em cada encontro tento sentir a perspectiva do outro. E tô descobrindo
e me certificando cada vez mais, que realmente, conforme algumas filosofias
alternativas, não há o outro. É tudo junto, mesmo tão distante! É tudo igual,
mesmo tão exacerbadamente diversificado! São os mesmos sentimentos motores, o
mesmo anseio de vida, a mesma energia vital! Pó! Pó de estrelas...
O céu
está tão bonito! Daqui parece que ele chegou mais perto. Vez em quando um lixo
espacial ou um meteorito desavisado dão o ar da graça, as estrelas cadentes que
tanto amo! Lembro de um sonho que tive certa vez... Eu estava na roça com meu
primo, perto da lagoa à noite, uma estrela cadente linda e enorme se fez
avistar. Era tão bonita e foi tão bonito o sonho! No outro dia eu estava lá com
meu primo, na beira da lagoa à noite, cabeça baixa pensando nas coisas. E ele
gritou: “Olha!” e sem olhar eu respondi: “Você está vendo uma estrela
cadente...”.
Sonhos,
sonhos, sonhos...
Imagino
que o maior dos meus é que, numa noite como esta, sozinho no meio do mato,
embasbacado pela grandeza do universo, uma luz brilhe mais forte e venha
descendo, descendo de mansinho pra não me assustar muito, vai chegando cada vez
mais perto, cada vez mais intensa e brilhante. De repente consigo enxergar a
silhueta do que parece ser uma nave espacial, mas que não se parece com nada,
absolutamente nada do que eu tenha visto até hoje. Nem as formas, nem as cores,
nem os sons que emana. Esse objeto luminoso aos poucos se apaga, fica a poucos
metros de mim. Lá de dentro sai um serzinho, meio cinza esverdeado, cabeça
grande, mãos e braços longos, corpo esguio – este sim, quase do jeito que
imaginei em muitos devaneios – fica parado me observando e eu consigo enxergar
aquela situação através da perspectiva dele. Com o pensamento, ele pede para
que eu me acalme. Diz que está tudo bem, que a gente mora no mesmo mundo e que
ele não faria mal a mim. Agradece por aquele encontro e diz que um dia
viveríamos intrinsecamente juntos, como iguais, em harmonia... e todo medo do
que a gente não conhece seria extinto, pois, de verdade, não há o que temer.
Por fim, pede para que eu voe, voe bonito, voe alto, tão alto quanto queira e
cante bonito, celebrando a mágica de ser o que sou. Ele continua me observando
por mais uns segundos, vira-se de costas, entra em sua nave e voa...
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