sábado, 25 de dezembro de 2021

Deus me Livre!




Deus me livre!
Frase comum do meu cotidiano que cria a sensação equivocada de minha crença em Deus. Não que eu não acredite na existência de Deus. Eu apenas desconfio dela. E essa desconfiança me libera da condição de ser um ser ateu. Agnóstico? Tudo bem, se rótulos se fazem necessários.

Acontece que sou desprovido de quase todas as certezas do mundo. As verdades, penso, são as mentiras que mais nos convém, enquanto as certezas nos limitam e nos impossibilitam alçar voos mais longínquos na imensidão do universo, mergulhos mais distantes nas profundezas do oceano, viagens inimagináveis no vasto e desconhecido cosmo que é a mente humana. Para cada certeza, infinitas dúvidas: estrelas nascendo de nebulosas magníficas, são as questões e divagações que coabitam nosso pensar.
As verdades são perigosas e a necessidade de se crer num salvador já matou milhões e milhões e milhões de inocentes num holocausto produzido pela propaganda disseminada sem nenhum escrúpulo, pudor ou piedade em prol de interesses escusos, sombrios, egocêntricos, malditos – a vontade exacerbada de poder! No final das contas a culpa é um bolo gigantesco e amargo: os primeiros e mais generosos pedaços cabem aos mentores, disseminadores e produtores da desgraça feita, enquanto as demais fatias são distribuídas aos crentes, aos braços cruzados, às bocas caladas, aos preguiçosos de pensar e aos que simplesmente não as rejeita.
Em noites como essa, em que a mente acelera e as palavras se infinitam aqui dentro – desconexas e despretensiosas – eu simplesmente as deixo nascer do jeito que vieram: um texto cheio de placenta, sangue e excremento. Apenas corto o cordão umbilical e elas estão livres e sozinhas, prontas para serem interpretadas a mil modos, a mil vidas, a mil crenças e descrenças.
Tranco a porta da sala.
Apago as luzes.
E vou dormir, tentando rejeitar a fatia daquele bolo amargo.
Sim!
Porque tem bolo pra todo mundo – tem bolo pra todos nós! E muitos morreram, morrem e ainda morrerão – engasgados.

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