quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Chuva no Sertão




Quando chove no sertão

E quando é frio de molhado
E rapacuia fala alto
E lampião quase apagado

Árvore dá suspiro de ver
Terra tem cheiro de preguiça
Assombração finge de vento
Troveja, cutuca, atiça

Quando chove no sertão

É o que não tem
Que acontece

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Pó de Estrelas

 




                  Não durmo.

                Esta noite está mais bonita por aqui. Longe da cidade a gente avista um céu melhor. Olho algumas vezes para a barraca, mas ela não me é nada convidativa agora. Prefiro o céu e esse barulhinho de grilos que não se calam. E esse papel que começa a receber minhas ideias.

                Às vezes venho aqui, tento passar pelo menos uma noite de sexta-feira por mês assim (nunca consegui ser fiel a isso, mas...) eu e minhas coisas, no meio de uma paisagem sertaneja que me desacelera. Trago papel e caneta, cigarro de palha, café, meu telescópio miúdo, barraca, um colchãozinho, lanterna, um trem de comer e  binóculos pra ver o escuro mais de perto. No lugar do cobertor, a cachaça (pra esquentar o peito quando agoniza em devaneios). O celular serve pra fazer tocar os mantras que às vezes ouço aqui. O facão às vezes uso, quando animo uma fogueira e não trago o lampião que ganhei do sogro. Tem a gaita, presente também, que tento tocar quando a paz demora a vir. Mas quando ela chega, eu não queria estar em outro lugar! Quando ela chega eu gosto tanto de mim que chego a me perdoar por todos os deslizes de até hoje, de verdade!

                Esta noite ela está aqui comigo. E tão logo chegou, corri até o carro pra buscar o de escrever: Papel e caneta. Paz e solidão. Sossego e embriaguez ligeira. Da cachaça, do céu, do mato, do amor.

                Consegui enxergar Betelgeuse bonita hoje, lá no ombro direito de Órion! Por anos e anos eu dizia ser minha constelação preferida, porque era a única que eu enxergava com clareza! Quase vinte anos atrás eu vi o Caçador por completo. Guiado por seu cinturão, Alnitak, Alnilam e Mintaka, eu senti uma sensação gostosa de plenitude quando Órion se desenhou por completo. Lembro como se fosse hoje!

                Hoje eu me interesso mais pelas pequenas coisas em si do que pelo conjunto que elas formam. Hoje me apaixonei mais pela estrela “pequena gigante vermelha”, Betelgeuse! E me arrepiei quando pensei que milhões de conjuntos de coisas formam aquela luz que brilhou bonita no meu telescópio...

                Betelgeuse! A estrela que está para explodir numa supernova a qualquer momento. Pode ser essa noite, pode ser daqui cem mil anos ou muito mais (em medidas astronômicas, este tempo é só um sopro).

                Morrer!

                Eis o destino das estrelas!

                Morrer pra fazer surgir mais vida. Morrer pra alimentar mais vida. Morrer pra retribuir. E continuar... apesar de incerto, o destino é tão certo! A gente morre e vira adubo pras árvores que nos forneceram o ar vital durante toda nossa existência. Que retribuição mágica, que sabedoria da natureza essa de ser grato mesmo sem se ser. O acerto é inevitável no final das contas.

                Fez barulho no buritizeiro que fica aqui pertinho, não deu pra ver, mas pensei um gavião carijó (tenho aprendido um pouquinho dos passarinhos, tanto querer voar que nem eles).

               Aconteceu que um dia, numa pousadinha, eu estava deitado na rede e pousou um joão-bobo. Fui saber depois que esse pássaro fica paralisado quando se assusta, por isso o nome. Naquele dia ele pousou sobre o suporte do telhado, por cima da rede onde eu estava e ficou ali parado, bem perto de mim. E houve uma conexão! Ele estava paralisado de medo, eu senti. E consegui enxergar aquela situação a partir da perspectiva dele! Como ele me enxergava, o que sentia sobre mim, o que aquele encontro significava pra ele. Com o pensamento, pedi para se acalmar. Disse que estava tudo bem, que a gente morava no mesmo mundo e que eu não faria mal a ele. Agradeci por aquele encontro e disse que um dia viveríamos intrinsecamente juntos, como iguais, em harmonia... e todo medo do que a gente não conhece seria extinto, pois, de verdade, não há o que temer. Por fim, pedi para que voasse, voasse bonito, voasse alto, tão alto quanto quisesse e cantasse bonito, celebrando a mágica de ser o que se é. Ele continuou me observando por mais uns segundos, cantou um cantinho fino e pouco, balançou a cabeça e voou.

                Tenho tentado! Em cada encontro tento sentir a perspectiva do outro. E tô descobrindo e me certificando cada vez mais, que realmente, conforme algumas filosofias alternativas, não há o outro. É tudo junto, mesmo tão distante! É tudo igual, mesmo tão exacerbadamente diversificado! São os mesmos sentimentos motores, o mesmo anseio de vida, a mesma energia vital! Pó! Pó de estrelas...

                O céu está tão bonito! Daqui parece que ele chegou mais perto. Vez em quando um lixo espacial ou um meteorito desavisado dão o ar da graça, as estrelas cadentes que tanto amo! Lembro de um sonho que tive certa vez... Eu estava na roça com meu primo, perto da lagoa à noite, uma estrela cadente linda e enorme se fez avistar. Era tão bonita e foi tão bonito o sonho! No outro dia eu estava lá com meu primo, na beira da lagoa à noite, cabeça baixa pensando nas coisas. E ele gritou: “Olha!” e sem olhar eu respondi: “Você está vendo uma estrela cadente...”.

                Sonhos, sonhos, sonhos...

                Imagino que o maior dos meus é que, numa noite como esta, sozinho no meio do mato, embasbacado pela grandeza do universo, uma luz brilhe mais forte e venha descendo, descendo de mansinho pra não me assustar muito, vai chegando cada vez mais perto, cada vez mais intensa e brilhante. De repente consigo enxergar a silhueta do que parece ser uma nave espacial, mas que não se parece com nada, absolutamente nada do que eu tenha visto até hoje. Nem as formas, nem as cores, nem os sons que emana. Esse objeto luminoso aos poucos se apaga, fica a poucos metros de mim. Lá de dentro sai um serzinho, meio cinza esverdeado, cabeça grande, mãos e braços longos, corpo esguio – este sim, quase do jeito que imaginei em muitos devaneios – fica parado me observando e eu consigo enxergar aquela situação através da perspectiva dele. Com o pensamento, ele pede para que eu me acalme. Diz que está tudo bem, que a gente mora no mesmo mundo e que ele não faria mal a mim. Agradece por aquele encontro e diz que um dia viveríamos intrinsecamente juntos, como iguais, em harmonia... e todo medo do que a gente não conhece seria extinto, pois, de verdade, não há o que temer. Por fim, pede para que eu voe, voe bonito, voe alto, tão alto quanto queira e cante bonito, celebrando a mágica de ser o que sou. Ele continua me observando por mais uns segundos, vira-se de costas, entra em sua nave e voa...

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Sobre verdades



 

A verdade era a última criança que a gente encontrava no pique-esconde, lá na década de 80.

O pique-esconde acho, acabou. 

Mas a verdade ainda é a última criança que a gente encontra no pique-esconde.